quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

“Livro das Dedicatórias”

Ao cimo da Rua das Covas, residia a velha prostituta conhecida por "c... d'aço", designação brejeira de quem escrevera com carvão na parede da modesta casa, assinalando o local onde muitas gerações de estudantes ali tiveram "aulas" de educação sexual.

Com setenta anos, na única janela, fincara os olhos em dois jovens que desciam para a Sé Velha, Zeca e o amigo de peito António dos Santos Silva, ou o Toneca como era conhecido no meio estudantil.

Ao "boa tarde" dado por Zeca, a velha convida-os para entrar. Uma ligeira hesitação mas a um "Não tenham medo que não vos como..." lá decidiram entrar para a pequena sala. Aberta uma lata de biscoitos, acompanhados por um cálice de licor, ali ficaram a conversar coisas do passado dela. Num álbum de fotografias lá estava ela de tricana antiga, noutra com outras raparigas, e outra com vários homens, alguns de capa e batina... "Este aqui era o doutor Mário, muito bom rapazinho! Os meninos como se chamam?

Depois trouxe um livro, o "livro das dedicatórias". Dedicatórias dos seus "alunos" que partiram de Coimbra, ou ao tornarem lá para reuniões de curso, nele tinham escrito mensagens saudosas - "Lembrando aquelas noites dos nossos vinte anos...". "Este é médico em Mangualde... Este era juiz, já morreu... Este é farmacêutico, quando vem a Coimbra passa sempre por cá... E este, adivinham quem é este?" - Assinado Sidónio Pais! O que foi presidente da República. (1) Entre nomes de lentes, médicos, juristas, engenheiros, figurava também o do Cardeal Cerejeira.

"No lago do Breu,
Meninas perdidas eu sei,
Mas só nestas vidas me achei,
No lago do Breu"

(1) Sidónio viria a ser assassinado na estação do Rossio, a 14 de Dezembro de 1918. Foi morto a tiro por José Júlio da Costa, ex-sargento do exército e militante republicano (Fernando Pessoa admirava-o e gostava muito dele enquanto chefe de Estado, chamou-lhe Presidente-Rei).

fontes:

- "Zeca Afonso, antes do mito" de António dos Santos Silva
- blogue "Guitarra de Coimbra" de Octávio Sérgio


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