segunda-feira, 7 de novembro de 2016

OS ÍNDIOS DA MEIA-PRAIA II

Os Índios da Meia-Praia

Letra completa deste tema, escrita por José Afonso para o filme "Continuar a Viver ou Os Índios da Meia-Praia" de António da Cunha Teles (1976).

Índios da Meia-Praia * (quadras do filme)

I
Aldeia da Meia-Praia
Ali mesmo ao pé de Lagos
Vou fazer-te uma cantiga
Da melhor que sei e faço
II
De Monte-Gordo vieram
Alguns por seu próprio pé
Um chegou de bicicleta
Outro foi de marcha a ré
III
Houve até quem estendesse
A mão à mãe caridade
Para comprar um bilhete
De passagem prá cidade
IV
Oh mar que tanto forcejas
Pescador de peixe ingrato
Trabalhaste noite e dia
Para ganhares um pataco
V
Quem dera que a gente tenha
De Agostinha a valentia
Para alimentar a sanha
De esganar a burguesia
VI
Diz o amigo no aperto
Pouco ganho, muita léria
Hei-de fazer uma casa
Feita de pau e de pedra
VII
Oito mil horas contadas
Laboraram sem dinheiro (no disco; "Laboraram A PRECEITO)
Até que veio o primeiro
Documento autenticado
VIII
Veio um cheque pelo correio
E alguns pedreiros amigos
Disse o pescador consigo
Só quem trabalha é honrado
IX
Adeus disse a Monte-Gordo
(Nada o prende ao mal passado)
Mas nada o prende ao presente
Se só ele é o enganado
X
Foram "ficando ficando"
Quando um dia um cidadão
Não sei nem como nem quando
Veio à baila a habitação
XI
Mas quem tem calos no rabo
- E isto não é segredo -
É sempre desconfiado
Põe-se atrás do arvoredo

(repete VII - VIII)

XII
Quem aqui vier morar
Não traga mesa nem cama
Com sete palmos de terra
Se constrói uma cabana
XIII
Uma cabana de colmo
E viva a comunidade
Quando a gente está unida
Tudo se faz de vontade
XIII
Tudo se faz de vontade
Mas não chega a nossa voz
Só do mar tem o proveito
Quem se aproveita de nós
XIV
Tu trabalhas todo o ano
Na lota deixam-te mudo
Chupam-te até ao tutano
Levam-te o couro cab'ludo

(repete V - VI)

XV
Vender a praia ao turista
Para jogar na roleta
Vestir a casaca preta
Do malfrão** capitalista
XVI
Foi sempre a tua figura
Tubarão de mil aparas
Deixas tudo à dependura
Quando na presa reparas
XVII
Das eleições acabadas
Do resultado previsto
Saiu o que tendes visto
Muitas obras embargadas
XVIII
Mas não por vontade própria
Porque a luta continua
Pois é dele a sua história
E o povo saiu à rua
XIX
Mandadores de alta finança
Fazem tudo andar p'ra trás
Dizem que o mundo só anda
Tendo à frente um capataz
XX
Eram mulheres e crianças
Cada um c'o seu tijolo
"Isto aqui era uma orquestra"
Quem diz o contrário é tolo
XXI
E toca de papelada
No vaivém dos ministérios
Mas hão-de fugir aos berros
Inda a banda vai na estrada
XXII
E toda a gente interessada
Colaborou a preceito
- Vamos trabalhar a eito
Dizia a rapaziada
XXIII
Não basta pregar um prego
Para ter um bairro novo
Só "unidos venceremos"
Reza um ditado do Povo

(repete XX)

XXIII
E se a má-língua não cessa
Eu daqui vivo não saia
Pois nada abala a nobreza (no disco ABALA passa a APAGA)
Dos índios da Meia-Praia

(a letra do filme termina aqui)

III ***
Quando os teus olhos tropeçam
No voo duma gaivota
Em vez de peixe vê peças
De ouro caindo na lota

Quadras no disco (está por ordem de entrada)

I - II -III*** - XII - XIV - V - IX - VII - XX - XXIII - XVI - XVII - XVIII - XIX - (repete XX) - XXI

*Texto para o filme Os Índios da Meia Praia, realizado por Cunha Teles. Em Portugal, o filme só foi exibido uma vez para a comunidade de pescadores. A versão do disco não inclui todas as quadras.

** Palavra algarvia que significa dinheiro

*** Quadra só utilizada na gravação do tema no álbum.

in José Afonso Textos e Canções

O tema cantado que está no vídeo, foi retirado do filme. As quadras que Zeca gravou para o filme não correspondem, na sua totalidade, às quadras do tema que está no álbum "Com as Minhas Tamanquinhas".

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