segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Poesia do Zeca - Vem-me à cabeça um náufrago


O poeta que refere Zeca é Jorge de Lima, poeta brasileiro.

Jorge de Lima

"Um monstro flui nesse poema
feito de úmido sal-gema.

A abóbada estreita mana
a loucura cotidiana.

Pra me salvar da loucura
como sal-gema. Eis a cura.

O ar imenso amadurece,
a água nasce, a pedra cresce.

Mas desde quando esse rio
corre no leito vazio?

Vede que arrasta cabeças,
frontes sumidas, espessas.

E são minhas as medusas,
cabeças de estranhas musas.

Mas nem tristeza e alegria
cindem a noite, do dia.

Se vós não tendes sal-gema,
não entreis nesse poema."

Neste poema, Zeca refere também o naufrágio de Sepúlveda. A Dona Dor tem a ver com o que aconteceu à sua esposa, Dona Lianor de Sá que, juntamente com os filhos morreram, na marcha para Moçambique.

A 3 de Fevereiro de 1552, com a mulher e os filhos, largou de Cochim, na Índia, rumo a Lisboa, como capitão do galeão grande São João. O galeão vinha carregado com 7500 quintais de pimenta, e transportava mais de quinhentas pessoas. A 13 de Abril, à vista do Cabo da Boa Esperança, a nave foi acometida por fortes tempestades, acabando por naufragar a 8 de Junho, nas costas do Natal. Os cerca de 380 sobreviventes iniciaram, um mês mais tarde, uma longa marcha rumo a Moçambique. A fome, as doenças, os ataques dos Cafres e dos animais selvagens foram lentamente diminuindo o seu número. Quando atravessaram o rio de Lourenço Marques, nos fins de Dezembro, os sobreviventes eram apenas cerca de 120; e um filho de 10 anos de Manuel de Sousa de Sepúlveda tinha já morrido. Nesta região foram os sobreviventes portugueses maltratados pelos Cafres, vindo a mulher do capitão e os seus filhos pequenos a morrer em Janeiro de 1553, em circunstâncias dramáticas. Manuel de Sousa de Sepúlveda, depois de os enterrar, internou-se no mato para nunca mais ser visto.

O relato deste infortúnio foi redigido por um autor desconhecido, talvez baseado em informações de Álvaro Fernandes, guardião do galeão, e foi impresso pela primeira vez logo cerca de 1554. Camões, no Canto V de Os Lusíadas, faz o Adamastor profetizar a tragédia:

"Outro também virá de honrada fama,
Liberal, cavaleiro, enamorado,
E consigo trará a formosa dama
Que Amor por grã mercê lhe terá dado.

Triste ventura e negro fado os chama
Neste terreno meu, que duro e irado
Os deixará dum cru naufrágio vivos
Para verem trabalhos excessivos.

Verão morrer com fome os filhos caros,
Em tanto amor gerados e nascidos;
Verão os Cafres ásperos e avaros
Tirar à linda dama seus vestidos..."

Também o poeta Jerónimo Corte-Real escreveu um poema épico sobre este famoso episódio, intitulado Naufrágio e lastimoso sucesso de Manuel de Sousa Sepúlveda e Dona Leonor de Sá, sua mulher e filhos, impresso postumamente em 1594.

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