segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Serenata na Figueira da Foz

O Manel Nemésio namoriscava uma moça que vivia na Figueira e a quem quis presentear com uma serenata. Falou ao Camacho e ao Zeca (dos tocadores já não me lembro) e lá viemos de comboio, no fim de jantar, numa daquelas carruagens duras, de terceira classe, a ensaiar os fados e a acertar os tons. Chegámos, com atrasos e transbordos, pouco faltava para a meia-noite. (...) era uma suave noite de Outono.

A moça vivia perto do Jardim, numa casa virada para o rio. Os tocadores sentaram-se no chão, os cantores atrás, em pé. Ensaiaram-se os primeiros harpejos; a moça, entre cortinas, acendeu e apagou a luz várias vezes...

Ia começar! Mas eis que, das sombras do Jardim, sai um polícia barafustante: "É proibido fazer barulho na via pública depois da meia-noite! Tocà desandar!"

Temi o pior - o Zeca era um antipolícia primário.

Com muita conversa e apelos ao coração, lá conseguimos comover a autoridade. "Bom, eu vou pràquele lado e finjo que não oiço. Mas só vos dou meia hora"

Finalmente começou a serenata.

O Camacho e o Zeca, naquele cenário novo de lua derramada sobre o mar, deram o seu melhor... E o polícia não voltou a aparecer: talvez estivesse ouvindo, também por detrás das árvores do Jardim.

Regressámos alta madrugada. O céu começava a clarear quando chegámos à Estação Nova. No topo da colina, a Torre destacava-se...

A vida era bonita, o futuro longínquo e real o amor.


in Zeca Afonso antes do mito - António dos Santos Silva.

Foto: João Afonso dos Santos à esquerda, o tio Filomeno ao centro e Zeca à direita na praia da Figueira da Foz, local onde a família passava sempre as férias.


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