quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

"O fósforo que ainda arde"


No rasto de Zeca em Paris - Uma história comovente.

"A 13 de abril de 2012, comecei a procurar o rasto de José Afonso em Paris [...] ao pé do Sena, entrei no metro para chegar a Boulevard la Tour Maubourg, ao Centro Calouste-Gulbenkian e ali…

Ali achei o rosto da utopia. O rosto da utopia foi o livro que me trouxe amavelmente a bibliotecária da Gulbenkian, escrito por José A. Salvador em 1994.

Molhei os dedos nos lábios para passar as páginas. De entrada descobri que o Zeca escreveu, nos seus tempos no Colégio Mangualde, em Setúbal, uma tese sobre Sartre e que um tal Padre Miguel lhe disse: “O senhor pelo que li apresenta inequívocos indícios de poeira mental”.

Molhei outra vez os dedos e ao passar a página achei, surpreendendo-me, a foto do cartaz do concerto de 1981 em Paris, colado no metro.


No meu terceiro dia em Paris cheguei-me ao mercado de Poisy, um dos bairros de forte imigração portuguesa, e entrei no bar Coimbra.

Faltava-me o final da história e havia que intentá-lo. Assim que quando aquela mulher, olhos negros, sessenta anos, me serviu a ginginha, eu falei-lhe: Olá, bom dia, venho da Galiza, de Santiago de Compostela, e estou a procurar informações sobre a presença do Zeca Afonso em Paris… Sabe quem me poderia ajudar?

Ela disse simplesmente: Eu. E foi-se embora. Regressou com mais um copo, serviu-se da ginginha e disse: Em 1981 veio cantar ao Théâtre de la Ville, e depois do concerto eu esperei por ele. Queria dar-lhe dois beijinhos, eu adorava o Zeca. Havia muita gente. Ele tirou um cigarro, levou-o à boca, mas não tinha lume. Eu, ligeira, acendi um fósforo e protegendo-o assim, com esta mão, cheguei-lho a arder. E assim foi… Eu dei lume a José Afonso, disse orgulhosa aquela mulher, a sorrir com muito ar no peito.

Tenho-o cá, disse, o fósforo. Vou buscá-lo. E foi e voltou com um envelope de papel amarelecido, quase transparente. A mulher que deu lume a José Afonso em Paris abriu o envelope, tirou o fósforo, mostrou-mo pegando nele com o indicador e o polegar, pousou-no em silêncio na mesa, dentro dum dos olhos da madeira, e eu tirei-lhe uma foto.


Parece que ainda arde…, disse baixinho.

Chama-se Patrícia Maria Verde Vilar. Antes de despedir-me perguntei-lhe: De que canção do Zeca gostava mais? E ela disse: Enquanto há força.

E eu saí a assobiar… Seremos muitos, seremos alguém."

Texto e fotos de Xosé Luís González Sende, conhecido por Séchu Sende, escritor galego.

Tradução do galego: Mário Lima (fiz os possíveis para ser, o quanto possível, fiel ao original)

Daqui


Atuação do Zeca no Théâtre de la Ville (fotografias de josé maria laura)

Sem comentários:

Enviar um comentário